A ilustração da capa mostra uma mesa com três tacinhas de sobremesa, alguns ingredientes espalhados pela mesa e, ao fundo, pela janela, é possível ver um saco de lixo. Do outro lado da rua, uma pessoa em um traje de proteção retira o que parece um corpo de uma casa. Em cima tem o título da Mafagafo, o nome da história "Cozinhando pra Caramba" e as informações de que foi escrito por Naomi Kritzer, traduzido por Jana Bianchi, e tem ilustração e direção de arte de Dante Luiz. No canto superior esquerdo tem uma logo da Mafagafo indicando "junho de 2020" e a informação "AVES MIGRATÓRIAS".

Em 16 de abril, nas primeiras semanas de pandemia — e, até o momento mais impactantes psicologicamente para mim — li um texto na newsletter da Tor que me chamou a atenção. O título era, em uma tradução livre, algo como “Eu já não escrevi sobre isso antes? Quando a sua pandemia ficcional vira realidade” (você pode ler o texto, em inglês, AQUI). Nele, Naomi Kritzer — uma autora que eu já admirava demais, principalmente por “Cat Pictures, Please”, um dos meus contos de ficção científica preferidos (que você também pode ler, em inglês, AQUI) — falava da surpresa de ver elementos de um conto que ela escreveu e publicou em 2015 se repetindo na pandemia da realidade. O conto foi publicado originalmente na revista Clarkesworld, uma das revistas gringas que tanto inspiram a Mafagafo (você pode ler o original do conto, “So Much Cooking”, AQUI).

Fui ler o conto e fui arrebatada — não pela acuracidade das “previsões” (que são sim impressionantes), mas porque encontrei no texto uma visão sensível de muitas coisas que eu ainda não tinha conseguido processar, além de um tipo de esperança “plausível” pela qual meu lado racional estava ansiando, já que meu lado emocional já se encontrava ligeiramente acalmado pelos vários “vai passar” (algo de que tentávamos nos convencer já em abril).

Fiquei com vontade de mandar o texto para a minha mãe, para o meu pai, para os meus tios e principalmente para a minha irmã — enfermeira obstetra que, assim como uma familiar querida da protagonista da história, continuava ajudando a trazer bebezinhos para o mundo mesmo em meio a tanta morte, “porque os bebês continuam nascendo, e eles vão continuar”. Nenhum deles lê em inglês, então decidi que ia traduzir o texto e mandar para eles.

Mas já que eu ia traduzir, e já que eu tenho uma revista, e amigos incríveis que aceitam trabalhar em projetos movidos pela emoção sem ganhar um tostão — obrigada Dante e Fer, meus queridos —, por que não pensar em uma publicação pela Mafagafo?

Escrevi para a Naomi para perguntar a respeito dos direitos de publicação. Ela foi extremamente gentil e não só cedeu os direitos da versão em português como sugeriu que na ocasião da publicação eu colocasse um link de doações para projetos de combate ao corona vírus — é por isso que você pode clicar no botão aí embaixo e doar a quantia que puder para a Força Tarefa da UNICAMP. Escolhi esse projeto porque foi a universidade em que eu estudei, a universidade em que a minha irmã se formou enfermeira, a universidade do hospital em que minha irmã trabalha hoje (agora na linha de frente do combate ao corona), e só uma das universidades que estão fazendo das tripas coração para fazer ciência e salvar pessoas apesar de um governo genocida, osbcurantista e inimigo da cultura e da ciência.

Foi mais ou menos assim, tudo muito rápido e com muita generosidade envolvida, que nasceu o Aves Migratórias — o selo da Mafagafo que eventualmente vai publicar contos traduzidos (podemos ou não estar negociando outra publicação incrível, podemos ou não estar pensando em conversar com autores de fora dos EUA inspirados pelo primeiro Festival Relampeio).

Não posso terminar o editorial sem agradecer de novo a Naomi, que contou essa história linda e cedeu os direitos para a tradução tão gentilmente, e ao Neil Clarke, que primeiro editou e publicou essa história. Thanks a lot for being so kind and inspiring, Naomi and Neil!

Espero que vocês gostem da leitura também! Ecoando a mensagem que a autora deixou para os leitores brasileiros, que coloquei lá no rodapé da tradução, espero que todas as pessoas lendo essa história estejam seguras e tão confortáveis quanto possível nesses tempos sombrios.

Um abraço!
Jana Bianchi

Paulínia, 24 de junho de 2020

9.100 palavras | Aproximadamente  40min de leitura

Frango Assado da Carole

Este é um blog sobre culinária, não um blog sobre doença, mas é claro que ouvir esse monte de rumores sobre a tal gripe aviária tá me deixando nervosa. Não sei vocês, mas eu lido com a ansiedade cozinhando. Cozinhando pra caramba. Mas tô tentando manter minha resolução de ano novo de compartilhar uma receita saudável (uma entradinha, uma salada, um acompanhamento…) pra cada receita de sobremesa que eu postar, e eu acabei de falar sobre aquelas tortinhas de merengue de limão na semana passada. Então, embora ontem eu tenha lidado com minha ansiedade assando mais uma fornada das tortinhas, e possivelmente comendo metade delas numa sentada só, hoje não vou testar a receita nova que encontrei de tortinhas de nozes. Não! Em vez disso, vou preparar o maravilhoso frango assado da minha amiga Carole. Afinal, por acaso tem jeito melhor de lidar com o medo de uma gripe aviária do que comendo uma ave?

Aqui vai como você pode fazer a receita aí na sua casa. Você vai precisar de um frango, pra começo de conversa. A Carole corta em pedaços ela mesma, mas eu sou preguiçosa, então comprei um frango já cortado. Você vai precisar de pelo menos um quilo de batatas. Você vai precisar de um limão e de uma cabeça de alho inteira. E você vai precisar de uma assadeira bem larga. Eu uso uma assadeira de lasanha da Cuisinart, mas dá pra se virar com uma assadeira de bolo número 2.

Corte as batatas em cubinhos (use batatas boas! Use as amarelas, ou talvez as asterix. No verão, eu compro as minhas no Farmer’s Market). Unte a assadeira e espalhe as batatas. Descasque todo o alho (sério, todo mesmo!) e espalhe os dentes inteiros pelo meio das batatas. Se você estiver se perguntando “mas todo esse alho?”, apenas confie em mim. O alho assado fica suave e molinho, e dá pra comer como se fosse um pedaço de batata. Sério, você vai querer me agradecer depois. Finalmente, coloque os pedaços de frango por cima, com a pele pra baixo. Você vai virar os pedaços depois de um tempo. Polvilhe um pouco de orégano sobre o frango todo, além de um pouco de sal e de algumas pitadas de pimenta do reino.

Esprema o limão, ou talvez dois limões se você realmente gosta de limão, e misture com ¼ de xícara de azeite de oliva. Jogue esse tempero por cima de tudo e use as mãos pra misturar, tomando o cuidado de besuntar todo o frango e as batatas. Depois, coloque um pouquinho de água na assadeira, derramando pela lateral (você não quer que caia em cima do frango) pra evitar que as batatas queimem e grudem. Agora é só colocar a assadeira no forno a 220 graus e assar por uma hora. Vire os pedaços de frango após meia hora pra deixar a casquinha linda e crocante.

Gente, fica TÃO BOM. Juro que geralmente o Dominic nem dá bola pro que tá comendo, mas ele sempre gosta desse prato, e eu também. Se você fizer essa quantidade pra duas pessoas, vai sobrar pra mais uma refeição. Mas a gente vai ter convidados hoje à noite: meu irmão, a esposa e os filhos. Então, na verdade, eu tô usando dois frangos e dois quilos de batata, porque adolescentes são umas dragas.

E frango tem propriedades curativas mágicas quando preparado em uma canja, então com certeza o assado ainda tem um pouco desse poder, né? O alho também tem, então manda ver nessa receita e se cuida.

bjinhos, Natalie

Biscoitos Improvisados com Gotas de Chocolate

Então, temos hóspedes inesperados que vão ficar por um bom tempo aqui em casa.

Minha cunhada Katrina é enfermeira no Hospital Regions. Ela não trabalha no pronto-socorro e nem na ala de doenças infecciosas, mas, vamos combinar: não é como se desse pra encurralar um monte de vírus que flutuam pelo ar e dizer para eles que estão banidos da ala obstétrica. O Leo e a Kat estão preocupados — se esse troço de gripe for sério, ela pode levar a doença pra casa. O Leo tá disposto a arriscar, mas, quando eu perguntei “Vocês não querem deixar as crianças comigo por um tempo?”, a Kat disse “A gente ia ficar bem mais tranquilo”, então tcharam: cá estou eu, hospedando uma mocinha de onze anos e outra de treze. A de treze é a Monika, e a de onze é a Jo.

A gente tem um quarto de visitas e um sofá-cama. A Monika ficou com o quarto de visitas, e a Jo tá no sofá-cama, mas prometemos rever isso aí em alguns dias caso elas ainda estejam por aqui (na verdade, a cama do quarto de visitas é de casal, mas acredite: não é uma boa ideia tentar fazer suas sobrinhas dividirem uma cama se não for absolutamente necessário).

Fui ao mercado hoje pra abastecer a despensa só por garantia, pra caso a gente queira diminuir a coisa de “sair de casa” por um tempo. Aparentemente, não fui a única a pensar nisso, porque: a) as filas estavam inacreditáveis; e b) passei em quatro mercados, e em todos o leite e o ovo estavam completamente em falta. Ainda dei um jeito de conseguir um pacote gigantesco de papel higiênico e um saco enorme de ração de rato (por acaso eu comentei que a Jo tem um ratinho de estimação chamado Jerry Springer? Não? Bom, minha sobrinha mais nova, a Jo, tem um ratinho de estimação chamado Jerry Springer. Na verdade, o rato não foi convidado pro jantar em família, mas o Dominic deu um pulo na casa deles hoje pra pegar o rato porque achou que a Jo ia encarar melhor essa situação toda se o bichinho de estimação dela também ficasse aqui em casa).

A seção de congelados também estava bem pelada, mas, na lojinha de produtos asiáticos (mercado número 4), eu comprei um sacão de arroz e uns sete quilos desses pasteizinhos congelados, e… Ah, quer saber? Não vou tentar listar o que eu trouxe pra casa porque ia ser constrangedor demais. Vou me concentrar no essencial, que é: não tinha nem leite e nem ovo. Até consegui arrumar um pouco de manteiga, mas só porque ainda tinha daquela superchique e orgânica que custa vinte dólares por quilo, e por isso fiquei um pouco preocupada com a ideia de gastar nosso estoque de manteiga em uma fornada de cookies. E a Jo queria muito uns biscoitos com gotas de chocolate.

Tá bom, falando sério agora: eu queria muito biscoitos com gotas de chocolate. Mas a Jo tava disposta a concordar que ela também queria uns.

Dá pra usar maionese no lugar dos ovos pra fazer biscoito, e dá pra substituir a manteiga por óleo. Os biscoitos vão ficar melhores se você tiver óleo de gergelim pra usar como parte do total de gordura (ou qualquer óleo que venha de oleaginosas) — e calhou que a gente de fato tinha óleo de gergelim. E, por acaso, naqueles quatro mercados, as gotas de chocolate não estavam em falta.

Aqui vai a receita caso você também esteja improvisando hoje:

      • 2 ½ xícaras de farinha
      • 1 colher de chá de bicarbonato de sódio
      • 1 colher de chá de sal
      • 1 xícara de óleo vegetal (de preferência 2 colheres de sopa de óleo de gergelim + óleo de canola até completar a 1 xícara)
      • ¾ xícara de açúcar refinado
      • ¾ xícara de açúcar mascavo
      • 1 colher de extrato de baunilha
      • 6 colheres de sopa de maionese
      • 340 gramas das gotas de chocolate que você tiver em casa, ou então chocolate picado

Misture o açúcar e o óleo até virar um creme, e daí bata com a maionese. Eu juro que os biscoitos vão ficar gostosos, mesmo que a maionese deixe a massa cheirando e parecendo nojenta. Em uma tigela, junte o bicarbonato, o sal e a farinha. Depois, vá acrescentando aos poucos a mistura de maionese, mexendo a massa.

Molde bolinhas com a colher — ah, você sabe fazer biscoito. Não precisa untar a assadeira. Asse a 190 graus por dez minutos e, se você quiser que eles fiquem molinhos e macios, coloque-os em um pote hermético antes de esfriarem totalmente. Caso você goste dos biscoitos crocantes… Bom, aí qual é o seu problema? Mas, nesse caso, deixe eles esfriarem antes de guardar, e aí provavelmente você vai ficar mais feliz se usar um pote que não seja hermético, tipo um pote clássico de biscoito.

Servi a primeira fornada pro Dominic, e ele disse “você não usou toda a manteiga nisso, né?”. Eu respondi que falta muito pra gente ficar sem manteiga. Mas, por outro lado, a gente tá quase sem café. Talvez eu morra. Mesmo sem pegar gripe aviária. Foi mal, H5N1.

bjinhos, Natalie

 

Pizza Caseira

E aí, como tão as coisas onde você mora?

Onde eu moro (Mineápolis), já tem oitenta e três casos confirmados de H5N1. A boa notícia (!!!) é que o vírus aparentemente não é tão letal nessa variedade que passa de humano pra humano quanto era na variedade que passa de aves pra humanos — mas, como ele já tinha uma letalidade de 60% na forma antiga, essa não chega a ser o que eu consideraria uma boa boa notícia. A má notícia é que ele tem um período de incubação de quatro dias, então essas oitenta e três pessoas infectaram outras, e esse é só o topozinho minúsculo de um iceberg gigante e letal.

Provavelmente, você tá escutando falar de “distanciamento social” onde quer que esteja, o que na maior parte dos lugares significa “a gente vai fechar as escolas e os cinemas e outros estabelecimentos onde a galera possa se juntar, e vamos fazer um rodízio de turnos de trabalho pra evitar aglomerações, e ensinar todo mundo a usar máscara e a não ficar muito perto um do outro quanto estiver em alguma fila”. Em Mineápolis, a preocupação já é tanta que tão dizendo que qualquer um que possa ficar em casa deve fazer isso de uma vez. Como o Dominic trabalha com TI e pode fazer tudo remoto, esse é nosso caso. Eu tinha planejado ir ao mercado hoje pra talvez pegar leite e ovo. Se fosse só eu e o Dominic… Bom, mesmo assim eu não iria arriscar. Mas definitivamente não vou arriscar com a Jo e a Monika aqui em casa.

Fiz pizza caseira pro almoço. A mesma receita que preparei em dezembro do ano passado, depois de ganhar a pedra de pizza de Natal — mas não tem cogumelo fresco. A gente tinha uma lata de abacaxi em calda e um pouco de pepperoni, então foi isso mesmo que usamos como cobertura. Pensei em experimentar alguns shitakes desidratados na pizza, mas depois pensei melhor porque achei que a textura não ia dar certo.

Agora a gente tá totalmente sem leite, o que dificulta as coisas no café da manhã, e também não tem mais café, o que dificulta tudo no meu dia. Felizmente, a gente ainda tem uns saquinhos de chá Lipton (que pretendíamos fazer no verão), e são eles que tô usando pra aplacar meu vício em cafeína.

(A gente ficou sem café por burrice minha. Até lembro de ter visto alguns pacotes na prateleira do mercado, mas sou chata com o meu café e tava planejando ir na minha cafeteria preferida pra pegar grãos frescos hoje. Hahaha! Qualquer marca furreca de café parece ótima pra mim agora!)

bjinhos, Natalie

Panqueca Sem Ovo e Xarope Caseiro

Nos comentários do meu último post, alguém quis saber sobre o mercado entregar em casa. A gente tem mercado que entrega em casa aqui nas Cidades Gêmeas, mas absolutamente todas as lojas que oferecem o serviço dizem que só tão entregando pra quem já é cliente. Eu me inscrevi pra fazer uma conta em todos os lugares possíveis, e fiz um pedido na Amazon com alguns itens que eles entregam (tipo mais papel higiênico), e espero que não mandem um e-mail dizendo que ficaram sem estoque e depois cancelem meu pedido… Enfim, não sei se vou conseguir pedir qualquer coisa de mercado tão cedo.

Alguns dos restaurantes da cidade ainda tão entregando comida, e não sei o que pensar sobre isso. O Dominic e eu somos muito sortudos, porque a gente tem a opção de ficar em casa. Isso faz eu me sentir meio culpada. Mas, na verdade, se eu continuasse saindo, não ia ajudar em nada na segurança de quem ainda precisa sair pra trabalhar. Justamente o contrário. Se eu me infectasse, seria mais uma pessoa espalhando o vírus (inclusive pras minhas sobrinhas). Enfim, a Kat precisa sair porque ela é uma enfermeira obstetra, e as pessoas dependem dela. Mas não sei se o entregador de pizza realmente deveria ser considerado um trabalhador essencial.

Em todo caso, ninguém faz entrega de café da manhã (e foi sobre isso que eu me sentei pra escrever) e ninguém vai me trazer leite — então eu fiz panquecas sem leite, sem ovo e sem manteiga, e você pode fazer também. Você vai precisar de:

      • 2 xícaras de farinha
      • 4 colheres de chá de fermento
      • 1 colher de chá de sal

Misture tudo e acrescente:

      • ½ xícara de banana amassada OU abóbora amassada OU purê de maçã OU qualquer outra fruta amassadinha que você tiver por aí. Usei banana porque tenho algumas no congelador.
      • 1 ½ xícara de água
      • 1 colher de chá de extrato de baunilha
      • ½ colher de chá de canela
      • ½ xícara de açúcar

Misture tudo. Você vai precisar untar a frigideira um pouquinho melhor porque essa massa gruda mais do que panquecas que levam manteiga ou óleo.

A gente tá sem xarope de bordo, mas, no fim, tinha uma garrafinha de xarope de mirtilo no fundo do armário, e foi com ele que comemos as panquecas. Tem umas receitas na internet de xaropes caseiros pra panqueca, mas ainda não testei nenhuma. A Monika odiou o xarope de mirtilo e comeu as panquecas dela só com açúcar e canela. Já a Jo achou o xarope de mirtilo até que bom, mas concordou que com o de bordo (ou mesmo aquelas imitações) ficaria melhor (e eu concordo com a Monika, que fique claro).

bjinhos, Natalie

Sopa Mistureba

Então, antes de ir pra receita de hoje, eu tava aqui pensando: será que vocês não fariam um favor pra uma amiga minha? A Melissa é garçonete, e por enquanto tá saudável, graças a Deus, mas o restaurante onde ela trabalha fechou por um tempo. Por um lado, isso é bom porque ela não vai ser demitida por não ir trabalhar, e ela tá feliz porque vai poder ficar segura em casa; mas, por outro, ela realmente contava com esse trabalho pra pagar as contas, tipo, o aluguel. Enfim, eu a convenci de abrir uma conta no GoFundMe, e, se você puder contribuir nem que seja com um dólar, já seria uma baita ajuda. Além disso, pra dar uma incrementada, se você doar qualquer valor (mesmo que seja um dólar!), vou colocar seu nome numa lista e vou sortear um seguidor ou seguidora — e essa pessoa sortuda vai ter o direito de me fazer preparar, comer e postar no blog sobre qualquer prato que quiser; se bem que, se quiser que eu faça isso antes do fim da pandemia, vai ter que se contentar em escolher algo que eu possa fazer com os ingredientes que já tenho em casa. Inclusive, acabei de levar um monte de comida pra Melissa porque ela e a filhinha tão praticamente sem nada, e minha despensa também não tá lá grandes coisas (ou seja, se você tiver pensando que cenouras caramelizadas no xarope de mirtilo pode ser uma ótima, tarde demais, porque a Melissa agora é a orgulhosa proprietária daquela garrafinha de xarope. Além disso, tô sem cenoura).

Enfim, doa lá! Se você quiser que eu tente de novo aquele sorvete assado ou que me arrisque a fazer o tal do salmão na lava-louças, essa é a sua chance.

Hoje, eu fiz uma Sopa Mistureba. Essa sopa é uma mistureba de todas as coisas que estiverem sobrando por aí. Na verdade, eu faço essa sopa com bastante frequência, mas nunca fiz um post sobre ela porque não achava que as pessoas iriam ficar muito impressionadas. Em condições normais, faço com caldo (uso aquele em caixinha quando não quero gastar meu caldo caseiro nesse tipo de prato) e alguma sobra de carne que eu tenha, além de quaisquer vegetais que estejam na geladeira, mais feijão enlatado, ou macarrão, ou ainda as duas coisas.

Hoje eu usei:

      • 2 pacotes de miojo, incluindo o saquinho de tempero
      • Vinho (a gente não tá, nem de longe, prestes a ficar sem vinho. É uma pena que não dá pra colocar no sucrilhos)
      • 230 gramas de milho congelado
      • 115 gramas de vegetais congelados
      • 2 xícaras de lentilha seca
      • 230 gramas de almôndega de peru congelada

Esquentei 4 xícaras de água e coloquei os temperinhos do miojo, 1 xícara de vinho e as lentilhas. Fucei no armarinho de temperos e também coloquei um pouco de cominho e coentro secos, porque acho que combinam consideravelmente bem com os temperos do pacote. Cozinhei as lentilhas no caldo. Descongelei o milho e os vegetais congelados e joguei tudo na sopa, depois quebrei os blocos de macarrão, coloquei na mistura e acrescentei as almôndegas. E foi isso que a gente comeu de janta.

A Jo odeia lentilha e a Monika não gosta de milho cozido, mas, depois de reclamar um pouco, as duas acabaram comendo. E a Andrea e o Tom até que curtiram.

Tá, acho que é hora de atualizar vocês sobre a Andrea e o Tom.

A Andrea é uma amiga da escola da Monika; as duas são do oitavo ano. A Monika descobriu (acho que por uma mensagem de texto?) que a Andrea tava em casa com o irmão, o Tom, porque a mãe deles ficou tão preocupada de acabar levando a gripe pros filhos que tava dormindo no carro em vez de voltar pra casa. O Tom só tem três anos. E eles também ficaram sem comida, que foi a razão pela qual a Monika me contou isso tudo (depois que eu levei comida lá na Melissa).

Falei pra ela que era óbvio que a gente podia levar um pouco de comida pra amiga dela, mas, quando me toquei que a Andrea tava cuidando sozinha de uma criança de três anos, acabei sugerindo que eles dois viessem pra cá.

Então a Monika e a Jo estão sim dividindo a cama de casal no quarto de visitas, porque, sinto muito meninas, mas às vezes “sacrifício compartilhado” significa compartilhar uma cama. A Andrea tá dormindo no sofá-cama e o Tom no sofazinho. Quer dizer, ele dormiu no sofazinho noite passada. Hoje ele vai ficar nas almofadas do sofazinho enquanto essas almofadas vão ficar no chão mesmo, porque assim ele cai de uma altura menor se rolar pra fora da cama de novo.

Vale dizer que não era exatamente assim que eu imaginava estar passando fevereiro. Mas pelo menos tá todo mundo com saúde, e nossa comida ainda não acabou.

bjinhos, Natalie

Dez Coisas que Vou Fazer Quando Essa Merda Acabar

De jantar, hoje teve hambúrguer e arroz. Eu só fiquei olhando pras receitas e chorando, e aí o Dominic veio e acabou cozinhando.

Eu meio que quero contar pra vocês todas as coisas que a gente não tem mais. Tipo, pilhas AA (precisei desenterrar um mouse com fio do armário onde a gente enfia todos os troços eletrônicos que não usa mais, porque meu mouse sem fio só funciona com pilha AA). Sabão da lava-louças (a gente ainda tem detergente normal, mas não dá pra colocar isso na lavadora, então estamos lavando tudo na mão). Mas lembra quando a gente costumava falar “problemas de Primeiro Mundo” pra se referir às reclamaçõezinhas bestas? Então, esses são problemas de pessoas saudáveis.

A gente soube hoje que a Kat tá doente. Ela tava trabalhando em turnos de dezesseis horas porque alguns dos enfermeiros tão doentes e outros se negam a ir trabalhar, e o hospital precisa de enfermeiros obstetras porque os bebês continuam nascendo, e eles vão continuar. Literalmente todo mundo usa máscaras e luvas o tempo todo, mas… hoje ela começou a ter febre.

O Leo diz que ela não vai pro hospital porque não tem nada que eles realmente possam fazer por ninguém lá, principalmente sobrecarregados como estão. Ela só vai ficar em casa, beber muita água e tentar fazer parte dos 68% que estão saindo dessa.

Então é isso aí, eu não ia falar desse assunto com vocês quando sentei pra escrever, ia falar sobre as coisas que tô morrendo de vontade de comer e que quero fazer quando essa merda toda acabar; mas acho que o que eu realmente queria dizer era que as dez coisas que eu quero fazer quando essa merda toda acabar são dez sabores diferentes de bolinho pra Kat, porque a Kat ama os meus bolinhos, e se você é de rezar ou coisa do gênero, por favor direcione um pouco das suas orações pra ela.

Ainda dá tempo de fazer uma doação pra Melissa e escolher algo que eu vou ter que cozinhar. Mas, sério, você vai querer esperar essa merda toda acabar, porque não tem mais muita coisa aqui em casa.

Vitamina de Couve (De Jeito Nenhum)

Cara pessoa maluca que lê meu blog,

Eu sei — bom, eu tenho certeza — que você tá tentando ajudar.

Mas dizer que, pra melhorar, minha cunhada (a mãe das minhas sobrinhas!) só precisa de vitamina de couve com grama de trigo extra ou sei lá o que mais vai nesse seu Tônico Mágico da Imunidade? Isso não ajuda. Primeiro: ela pegou uma doença que tem uma taxa de mortalidade de 32%. Segundo: mesmo que couve, alga ou o caralho a quatro fizessem mágica, você tá realmente lendo meu blog? A gente tá comendo arroz com azeite aromatizado já faz quatro refeições. Hoje a gente misturou alguns sucrilhos secos no arroz — parte pela variedade de textura, mas parte porque aí a gente pode fazer menos arroz, porque agora estamos com medo de ficar sem arroz também.

Eu posso fazer brotar uma vitamina de couve pra Kat tanto quanto posso arrancar uma galinha cacarejante da minha bunda e fazer um pouco de canja pra minha cunhada com ela.

Além disso, esse é um blog sobre culinária, não um blog sobre teorias da conspiração. Se você quiser convencer as pessoas de que o governo está infectando todo mundo de propósito com algum objetivo perverso, vai fazer isso no raio que o parta.

Sem amor nenhum,

Natalie

Ensopado de Coelho

Então, tem esses coelhos que vivem no nosso jardim. Juro que tem tipo uns seis. É por causa deles que eu não cultivo uma horta com alface (quer dizer, isso mais o fato de que eu preferiria usar o espaço pra plantar uns tomates).

Tenho quase certeza de que consigo montar uma armadilha pra eles com uns itens que tenho pela casa, e coelho é delicioso.

Pontos positivos:

      • Carne fresquinha!

Pontos negativos:

      • O Dominic acha que é possível a gente pegar gripe comendo os coelhos (eu acho que ele tá sendo paranoico e que, contanto que a gente cozinhe direitinho, vai ficar tudo bem. Eu posso refogar eles no vinho).
      • Não tenho a menor ideia de como tirar a pele e os miúdos de um coelho, mas tenho umas facas afiadas, a internet, e sou muito engenhosa.
      • A Jo não aprova nem um pouco a ideia de comer um coelho.
      • A gente provavelmente conseguiria capturar no máximo um coelho, e um coelho dividido entre todas essas pessoas não é lá muito coelho.

E a gente tá ainda em mais pessoas agora, porque pegamos mais uma criança (fique à vontade pra fazer a piadinha sobre o flautista que atrai crianças. Ou sobre a tia louca das crianças em vez de a tia louca dos gatos. Estamos fazendo todas as piadinhas porque é a única válvula de escape que ainda nos resta). O Arie tem doze anos, e por um fio a gente não manda o moleque de volta pro apartamento gelado e vazio onde ele ficava depois que ele sugeriu que a gente comesse o rato da Jo (se ele estivesse apenas sem comida, a gente ia mandar ele pra casa com comida, mas o aquecimento também deu pau, o dono do apartamento não tá respondendo o telefone, é inverno e a gente vive em Minnesota).

O Arie é primo da Andrea. Quer dizer, esquece. Talvez ele seja amigo do primo dela? Dane-se, eu só não fiz muitas perguntas quando ouvi “doze anos” e “sem aquecimento”.

bjinhos, Natalie

Esse Não é Mais um Blog Sobre Culinária

Esse é um blog sobre tédio e isolamento.

Também é um blog sobre gerenciamento de estresse. Geralmente, gerencio meu estresse cozinhando. Só que agora a gente tá sem ingredientes pra tipo 85% das receitas que consigo encontrar, e também sem todos os substitutos óbvios (ou mais ou menos substitutos), e eu tô começando a me preocupar de a gente ficar sem nada pra comer. Pensei em tentar reverter o processamento de farinha batendo um pouco de cereal no meu processador, como se eu fosse uma versão modernosa da Laura Ingalls moendo trigo integral em um moedor de café no livro O longo inverno.

Meu bangalôzinho fofo é bem espaçoso pra mim e pro Dominic. Pra mim, pro Dominic e pra mais cinco crianças de três a treze anos, tá começando a ficar um pouquinho lotado. A Monika trouxe o laptop, então ela, o Arie e a Andreia ficam querendo usá-lo em turnos (a Jo não pede muito pra usar, ela só suspira um suspiro martirizado e diz que não, que tá tudo bem, ela entende o porquê das crianças mais velhas estarem se apoderando do computador). Já viramos especialistas em todos os filmes disponíveis em todos os serviços de streaming que existem, mas o problema é: quando o filme é apropriado pro Tom, a maioria das crianças mais velhas não está interessada. A gente encontrou uns musicais das antigas que todo mundo conseguiu tolerar, mas agora o Tom quer assistir todos eles várias vezes sem parar, e a Andrea diz que se ela tiver que ouvir que “a múúúúúsica vaaaaaaaai acordando os caaaaaaaampooooooos” mais uma vez, ela vai ser forçada a arrebentar a televisão com um tijolo.

A gente tem um quintal nos fundos e, do ponto de vista da infecção pela gripe, é consideravelmente seguro brincar nele, mas é inverno, moramos em Minnesota e tamos passando por uma frente fria — tipo, ontem de manhã fez 35 graus negativos por causa do vento (a boa notícia: as baixas temperaturas podem diminuir a velocidade de espalhamento do vírus).

Então, aqui vai o que a gente fez hoje: sobraram algumas tintas de artesanato no porão, e uns pincéis também, então a gente afastou todos os móveis da sala da parede e deixou a molecada pintar um mural. A boa notícia: isso fez eles ficarem alegremente ocupados durante a tarde toda. A notícia melhor ainda: eles ainda não acabaram.

bjinhos, Natalie

Bolo de Aniversário de Panqueca

Hoje é aniversário da Jo, e todo mundo quase esqueceu. Em parte porque ela claramente achou que todo mundo tinha coisa mais importante com que se preocupar e não quis tocar no assunto. Monika, abençoado seja seu coraçãozinho espinhudo de garota de treze anos, foi quem lembrou.

No começo, achei que a gente não fosse conseguir fazer um bolo pra menina (a menos que eu pudesse de fato descobrir um jeito de transformar sucrilhos em uma farinha viável, e provavelmente nem assim). Mas… enquanto eu revirava o porão atrás das tintas de artesanato, encontrei uma caixa de mistura de panqueca, dessas que só precisa adicionar água, no meio do nosso material de acampamento. Se eu tivesse lembrado dela antes, certamente já teria usado em algum café da manhã pelo caminho, então abençoada seja também minha cabeça de vento. A gente tinha um pacotinho de pudim instantâneo de caramelo também, ainda intocado porque não dá pra fazer pudim instantâneo sem leite.

A criançada deu uma pausa na pintura do mural pra fazer decorações, usando papel de impressora, tesoura e caneta (eles fizeram uma bandeirola em forma de corrente de anéis de papel).

Acho que deve existir um jeito de transformar mistura pra panqueca em um bolo de verdade, mas todos os métodos que encontrei na internet precisavam de ingredientes que eu não tinha. Então acabei fazendo panquecas mesmo, e depois transformei as panquecas em bolo, colocando recheio de caramelo entre as camadas (pra fazer o recheio de caramelo, usei um pouco de manteiga derretida — a gente ainda tinha um tiquinho —, um pouco de óleo e, claro, a mistura pra pudim de caramelo).

E aí a gente enfiou duas velas votivas no bolo e cantou parabéns.

A Jo inclusive ganhou presentes, apesar da minha ignorância. Os correios ainda tão funcionando — em alguns dias, pelo menos —, e o pai dela lembrou. Uma caixa cheia de presentes comprados online chegou no fim do dia, com um cartãozinho que dizia “com amor, da Mamãe e do Papai”, o que fez ela chorar.

A gente vem recebendo atualizações sobre o estado de saúde da Kat, que eu normalmente não compartilho porque não anda muito bem. A gente só tá tentando não deixar a peteca cair, acho. E hoje isso significa celebrar o aniversário da Jo.

Parece que é Natal

Gente do céu, GENTE DO CÉU. Tem uma entrega de comida vindo! Ou algo do tipo! Talvez eu deva voltar um pouquinho e explicar. A Força Tarefa Contra a Gripe local deu um jeito de fazer com que os mercados com entrega em domicílio contratassem mais um monte de gente — em sua maioria, gente como a Melissa, cujos locais de trabalho fecharam —, e agora eles têm entregadores o bastante pra fazer entregas em quase todos os lugares. Cada família foi atendida por um vendedor e, como a gente tem oito pessoas vivendo aqui (ah, por acaso contei que o Arie também tinha um amiguinho que precisava de um lugar pra ficar em quarentena? A gente tá totalmente lotado agora, sério mesmo, a situação do banheiro já tá além de crítica, e revezamos toda noite quem dorme no chão), recebemos o direito de comprar 560 dólares em produtos, e a entrega deve chegar em algum momento nos próximos dias. Eles instruíram a gente a nem encontrar pessoalmente quem vier fazer a entrega: a pessoa vai deixar as sacolas na porta e depois vai embora.

O problema é que, claro, eles não têm praticamente nada em estoque. Mineápolis tem tantos casos que os caminhoneiros não querem vir pra cá, e além disso a coisa tá tão feia na Califórnia que não tem muito da produção indo pra lugar nenhum, na real, então não tem nenhum produto fresco de nenhum tipo disponível. Eu consegui pedir pêssego congelado — se bem que vai saber se vão conseguir trazer. Claro que não tinha leite e ovo, mas eles tinham leite de amêndoa em estoque, e eu pedi leite de amêndoa porque pelo menos dá pra usar em coisas de panificação. Eles também me avisaram que, caso alguma coisa acabasse, iam substituir por sabe-se lá o quê — viu só, vai ser igualzinho ao Natal, quando você dá pra sua mãe uma lista de desejos e aí talvez, quem sabe, alguma coisa que você colocou na lista surja debaixo da árvore.

Mas eu incluí sim uma observação dizendo para por favor, por favor, por favorzinho, darem um jeito de me fazer receber café ou qualquer coisa com cafeína. Se eu tiver que tomar Mountain Dew Diet no café da manhã, não tem problema. Porque assim, a gente tinha uma garrafa de dois litros de Coca, mas eu tô racionando e ela já tá ficando sem gás e eu não me importo. Quer dizer, me importo. Mas me importo mais com a dor de cabeça que me dá quando fico sem minha dose de cafeína pela manhã.

Alguns de vocês têm perguntado sobre a Kat. Ela tá lá segurando as pontas, e o Leo tá saudável. Obrigada por perguntar.

Alguém também perguntou sobre os coelhos. Até o momento, ainda não matei nenhum exemplar da fauna local, porque eu talvez seja meio cagona, e o Dominic é totalmente cagão.

bjinhos, Natalie

Doce de Flocos de Arroz

Então, saca só o que veio na entrega de comida. Além de um monte de itens úteis para uso geral, tipo carne, óleo, mistura de panqueca e coisa e tal, a gente recebeu:

      • 12 latas de leite de coco
      • 1 sacão enorme de café moído de uma marca qualquer da esquina GRAÇAS AO BOM DEUS
      • 2 sacos de mini marshmallows
      • 2 latas grandes de gordura vegetal sabor manteiga
      • 1 pacote enorme de papel higiênico GRAÇAS AO BOM DEUS, nem vou dizer pra vocês o que a gente tava usando no lugar dele
      • 1 pacote pequeno de pilhas AA
      • 1 saco de Hershey’s em miniatura, sabe, tipo aqueles chocolatinhos bons pra dar pras crianças no Halloween
      • 14 caixinhas de gelatina da Jell-O
      • 1 saco absurdamente gigantesco de uma imitação barata daquelas barrinhas de flocos de arroz da Rice Krispie

A maior parte desses trecos são coisas que a gente não pediu. Em alguns casos, consigo chutar qual foi a substituição. Eu queria farinha, ganhei mistura pra panqueca (nada mal). Queria gotas de chocolate, ganhei os chocolates em miniatura (de novo, nada mal). Pedi um pouco de suco concentrado de uva porque a gente tá sem nada que lembre fruta há dias e dias e, embora tecnicamente não dê pra ficar com escorbuto tão rápido assim (eu pesquisei), tô morrendo de vontade de coisas tipo cenoura, e achei que suco de fruta pudesse ajudar. E acho que o leite de coco foi o substituto do leite de amêndoa.

Agora, não faço ideia do porquê mandaram as barrinhas de flocos de arroz. Eu nem pedi sucrilhos. A gente ainda tem um pouco. Porém, atenção: eles também mandaram marshmallow e gordura vegetal sabor manteiga (no lugar de manteiga de verdade), então vocês sabem o que dá pra fazer, né? Isso mesmo. DOCE DE FLOCOS DE ARROZ.

Uma vez, quando era criança, fiz essa receita sem micro-ondas e deixa eu te contar: dá uma trabalheira danada quando você não tem um micro-ondas. Tem que ficar lá com a barriga no fogão, misturando os marshmallows no fogo baixo, pelo que parecem ser tipo duas horas. Se você procurar, ainda acha como fazer no fogão, mas eu recomendo fortemente usar um micro-ondas.

Você vai precisar de:

      • 3 colheres de sopa de manteiga (ou margarina, ou gordura vegetal sabor manteiga. Dá até pra usar azeite de oliva extravirgem! Mas não recomendo usar azeite de oliva extravirgem saborizado com alho)
      • 1 saco de 250 gramas de marshmallows (ou 4 xícaras de mini marshmallows ou 1 pote de recheio pronto de marshmallow)
      • 6 xícaras de flocos de arroz (ou sucrilhos, Cheerios ou qualquer cereal que você tenha em mãos. Mas, se você quiser usar cereal integral com ameixa ou tipo aquele Grape Nuts, não me responsabilizo pelo resultado)

Coloque a manteiga e os marshmallows em uma tigela que possa ir ao micro-ondas. Deixe derreter por dois minutos. Misture. Coloque no micro-ondas de novo, agora na potência alta, por um minuto. Misture até ficar lisinho. Acrescente o cereal. Misture até ficar homogêneo.

Unte uma assadeira de bolo número 2 e espalhe a mistura de marshmallow nela. Pra surpresa de absolutamente ninguém, essa meleca é incrivelmente grudenta, então talvez seja uma boa ideia enrolar papel manteiga nas mãos ou usar uma espátula untada, ou talvez você possa untar as próprias mãos — nesse caso, cuidado pra não se queimar. Deixe esfriar e depois corte em quadradinhos.

O Dominic veio enquanto eu espalhava a mistura na assadeira e perguntou: “O que você tá fazendo?”.

Eu respondi: “Tô fazendo Coq au Vin, seu mané”.

Ele disse: “Mas ninguém tem paciência comigo…”.

Vocês tinham que ter visto.

No jantar de hoje, comemos bife e doce de flocos de arroz. Para a noooossa alegriiiia.

bjinhos, Natalie

Katrina Jane, 5 de Março de 1972 – 20 de Fevereiro de 2018

Não tenho nada pra falar hoje. Sinto muito.

Meu irmão tava tossindo quando ligou pra dar a má notícia, mas disse que não tava doente, que não tinha febre e que definitivamente não pegou a gripe da Kat.

Obrigada a todo mundo pelos pensamentos e orações. Sei que não sou a única pessoa de luto aqui, então só saibam que eu estou pensando em vocês, assim como vocês estão pensando em mim.

Você Precisa Comer Mesmo Assim

O Leo cremou a Kat, mas ele vai esperar pra fazer uma cerimônia de despedida apenas quando todo mundo puder ir — inclusive as meninas. A Monika ficou furiosa e insistiu que queria um funeral de verdade, e queria ir a todo custo, porque acha que o da mãe tinha que ser essa semana, como os funerais costumam ser, e é claro que isso simplesmente não é possível. Não dá pra impedir um grupo de pessoas de se encontrar, mas também não há nenhuma igreja, sala de velório ou qualquer lugar onde dê pra abrir sua cadeirinha e juntar um monte de gente pra fazer homenagens a uma pessoa falecida.

A gente enfim conseguiu convencer a Monika sobre fazer nossa própria cerimônia de despedida, com o máximo de pompa e circunstância que conseguimos improvisar. A gente montou uns arranjos florais pegando parte de uma guirlanda com flores de lavanda secas que eu tinha na cozinha. Também usamos roupas pretas, o que significa que a criançada teve que pegar emprestado peças do meu guarda-roupa. Depois a gente armou umas cadeiras na sala de estar, e o Dominic celebrou uma cerimônia.

A Monika queria ler umas palavras de despedida, mas tava chorando muito. Mas tinha escrito o que queria falar, então o Arie leu pra ela. Eu guardei o papel, caso ela queira ler de novo na cerimônia de despedida de verdade. Bom, talvez pra ela essa seja pra sempre a cerimônia de despedida de verdade. Mas vai ter outra, uma pública e tal, quando a epidemia acabar.

Em Minnesota, depois de um funeral, normalmente acontece um almoço no porão da igreja, onde geralmente tem um prato que chamam de salada ambrosia, que é tipo uma salada de frutas diferentona (talvez outros lugares também tenham? Não fui em muitos funerais fora de Minnesota). Eu tava sem alguns dos ingredientes, mas tinha Jell-O de limão, mini marshmallows e até um pacote de cobertura congelada sem lácteos, e usei mexerica em lata em vez de abacaxi picado, e misturei tudo, e não é que ficou bom? Comemos salada ambrosia e linguiça, dessas de comer no café da manhã (não sei por que a gente acabou com tantos pacotes dessa linguiça, mas é comida, todo mundo gosta, então a gente tá comendo linguiça quase todos os dias, e na maioria das vezes não no café da manhã).

A Monika perguntou se podia guardar a parte dela de salada ambrosia na geladeira até amanhã, porque realmente gosta da salada, mas tá sem apetite e não quer que ninguém coma a parte dela (o que é uma preocupação legítima). Coloquei num potinho e escrevi “PERTENCE À MONIKA: NINGUÉM TOCA, SOB RISCO DE VIRAR RAÇÃO DE RATO” com caneta permanente na tampa. O que fez ela rir um pouquinho. Acho que é um bom sinal.

A Jo ficou sentada durante a cerimônia toda, almoçou e não falou uma palavra. Em geral, parece que ela não acredita que isso aconteceu de verdade.

Sopa de Pedra

O Arie me informou hoje de que a coisa que eu chamei de “Sopa Mistureba” na verdade se chama “Sopa de Pedra”, nome que vem de uma história popular na qual três estranhos esfomeados tapeiam três aldeões pra conseguir comida. Na história, os estranhos anunciam que vão fazer sopa pra todo mundo a partir de uma pedra, e aí, quando vários aldeões curiosos vêm pra ver o que tá rolando, dizem que a sopa ficaria melhor com uma cenoura ou duas… e com uma cebola… e talvez com algumas batatas… e um pouco de feijão… E aí um aldeão traz batata, e o outro a cebola, e aí no fim tem um belo caldeirão de sopa pra todo mundo.

Eu comecei a argumentar que não tava tapeando ninguém, que aquelas coisas já tavam no meu armário, mas aí percebi que eu não só tinha um prato pro jantar como também tinha em mãos uma atividade; e aí a molecada toda veio pra cozinha e agiu como na história, com o Tom atuando como o estranho esfomeado e tentando fazer os outros darem alguma coisinha pra sopa e então jogando cada item na panela.

Depois, todos fizeram biscoitos enquanto eu assistia, usando maionese no lugar dos ovos e picando os chocolatinhos pra usar como gotas de chocolate.

Hoje fez um dia ensolarado — frio, mas realmente ensolarado —, e a gente abriu uma toalha de piquenique e comeu na sala de estar. Sopa de Pedra e biscoitos com gotas de chocolate, e todo mundo se sentou em um círculo e disse a coisa que mais quer fazer quando tudo isso acabar. A Monika disse que deseja tomar um banho de uma hora (todo mundo tem uma limitação de banho de sete minutos, ou a gente fica sem água quente). O Dominic disse que quer visitar a biblioteca. Eu disse que quero fazer um suflê de chocolate. Todo mundo reclamou, dizendo que não valia ser coisa de fazer na cozinha, então eu disse que quero ver um filme no cinema, algo divertido, comendo pipoca.

Amanhã é primeiro de março.

Hidratação

O Dominic tá doente. Não é gripe. Quer dizer, não pode ser, a gente nem saiu. Literalmente, a razão toda de ficar em casa é evitar a exposição. Também não pode ser nenhuma outra coisa de pegar. A gente pensou a princípio que pudesse ser intoxicação alimentar, mas ninguém mais passou mal, e a gente só come a mesma comida. De acordo com o doutor Google, que reconhecidamente é um especialista em cenários pessimistas, é ou diverticulite ou apendicite. Ou pedra no rim.

Obviamente, ir ao médico num consultório tá fora de cogitação. A gente fez uma consulta pelo telefone. O cara com quem falamos disse que sim, que pode ser qualquer uma dessas coisas, e se ofereceu pra mandar por telefone uma receita de Clavulin se a gente arrumasse uma farmácia que tivesse. O problema é que, mesmo o H5N1 sendo um vírus, o que significa que antibióticos não servem pra nada contra ele, teve um monte de gente que não acreditou nisso, e algumas dessas pessoas encontraram médicos dispostos a prescrever qualquer merda que elas pedissem, e o resultado é: quase tudo tá em falta em todas as farmácias da região. Ah, além disso, um montão de farmácias foram arrombadas, mas na maioria das vezes levaram só analgésicos. As farmácias tão uma zona. Como todo o resto, é isso que eu quero dizer.

Não vou desistir, porque além das farmácias que atenderam o telefone e disseram que não tinham o remédio, com certeza existem várias outras em cujo estoque ninguém tocou. Vou continuar tentando. Enquanto isso, a gente vai manter o Dominic hidratado e esperar pelo melhor. Sempre tenho umas garrafinhas de Pedialyte na manga, porque a última coisa que você precisa quando tá vomitando é ter que dirigir até a farmácia, e essa bagaça é tão ruim que ninguém nem tentou me convencer a abrir pra beber de sobremesa. Então, coloquei uma pra gelar, e ele tá tentando beber uns golinhos.

Se for pedra no rim, o Clavulin não vai servir pra nada, mas eventualmente a pedra vai sair e ele vai se recuperar — só que, nesse meio-tempo, ele vai passar por umas poucas e boas (eu bem que queria ter algum analgésico mais forte que Tylenol. E juro, ninguém tem Vicodin agora. Nem uma mísera farmácia). Se for apendicite, tem 75% de chance de o Clavulin resolver (essa é nova! Quer dizer, informação nova. Teve um estudo em que trataram apendicite com antibióticos, e 75% dos casos eram de um tipo de apendicite que não supura e que pode ser tratado com antibióticos! E com uma tomografia eles já conseguem te dizer qual é o tipo da apendicite, mas… enfim, né). Se for diverticulite e ele conseguir segurar algum líquido no estômago, os antibióticos podem ajudar. Se ele tiver o pior tipo e não conseguir segurar nenhum líquido, normalmente iriam hospitalizá-lo pra ministrar antibiótico na veia e talvez operar. Mas, de novo, essa não é uma opção.

Ah, e também pode ser câncer (valeu, doutor Google!). Nesse caso, não tem por que se preocupar com isso até acabar a epidemia.

Creme de Clavulin

Recebi um email de alguém que tem Clavulin e que tá disposto a me vender. Ou pelo menos é o que dizia. Achei que teria de confiar nessa pessoa, o que talvez fosse uma decisão questionável. Tava pedindo mil dólares pela garrafa, em dinheiro. O Dominic ficou chocado por eu ter sequer considerado pagar. Ele acha que é um golpe, e que iam simplesmente roubar o dinheiro.

Felizmente, também encontrei uma farmácia que ainda tinha o remédio, uma famarcinha de bairro. O médico do Dominic ligou lá e passou a receita, e eu dei o número do cartão de crédito pelo telefone, e eles realmente entregaram. Enquanto eu tava no telefone, ainda listaram algumas outras coisas que tinham em estoque, então, além do Clavulin, a gente também pegou pasta de dente e uma pilha de revistas do mês passado. Fica aqui o registro: Drogaria da Esquina da St. Paul, a gente vai comprar remédio aí pelo resto das nossas vidas.

Eu tinha a esperança de que, começando a tomar Clavulin, o Dominic fosse ficar melhor imediatamente, mas em vez disso ele tá piorando.

Possivelmente, é só uma reação ao Clavulin. Ele não é tão ruim quanto a maioria dos antibióticos, mas pode definitivamente zoar o seu estômago, o que é contraprodutivo quando você tá botando os bofes pra fora e a dor de estômago é seu principal sintoma.

Eu tive apendicite na adolescência. Passei o dia vomitando, e, quando eu fiquei pior em vez de melhorar, minha mãe me levou pro pronto-socorro. Acabei tendo que operar. Depois, eu só pude comer líquidos claros por um tempo, só caldo, Jell-O e chá, o que realmente me deu no saco até me deixarem comer coisas sólidas de novo. Minha mãe contrabandeou um pouco de canja caseira pra mim numa garrafa térmica — mas pelo menos era do tipo caseiro, do tipo que realmente cura.

Se eu pudesse arrancar uma galinha cacarejante da minha bunda, como brinquei outro dia, ia torcer o pescoço dela e transformar em canja pro Dominic imediatamente. Nada tá parando no estômago dele, já comentei? Nada. Mas também não é como se a gente tivesse muita coisa fora o Pedialyte.

Vou tentar pegar um coelho.

Sopa de Coelho

Minha gente, realmente dá pra encontrar instruções sobre tudo na internet. Tá, nunca fucei pra ver se tem um vídeo no YouTube sobre como cometer o crime perfeito, mas sobre montar uma armadilha pra pegar animais? Bom, entre outras coisas, aparentemente aquela ideia de desenho animado, da caixa-apoiada-num-pauzinho-com-uma-isca-embaixo, é algo que você pode fazer pra valer na vida real; mas daí você acaba com um bicho vivo e, se você estiver planejando comer esse bicho, vai ter que matá-lo. Acabei montando uma armadilha de laço usando um passo-a-passo que encontrei na internet, com a esperança de que a própria armadilha já fizesse o serviço sujo por mim. E ela fez. Mais ou menos. Vou poupar você dos detalhes, mas só vou deixar aqui a informação de que coelhos sabem como berrar.

Também dá pra encontrar na internet o passo-a-passo pra tirar os miúdos e a pele de um coelho. Usei minha tesoura de cozinha em parte do processo, e fiz tudo lá fora pra Jo não ter que assistir. Meu quintal dos fundos agora parece uma cena de assassinato, aliás, e os meus dedos ficaram tão gelados que eu nem sentia mais eles. Eu sinto que devia usar a pele pra alguma coisa, mas não acho que taxidermia caseira é o tipo de passatempo que deixaria os pré-adolescentes alegremente ocupados (neste momento, eles tão lendo as revistas que compramos na farmácia, e tô fingindo que não vi que uma delas é uma Cosmopolitan).

Já de volta pra dentro, dei uma tostada no coelho no forno, já que carcaça assada de frango dá uma sopa muito mais gostosa do que frango simplesmente cru, depois botei água o suficiente pra cobrir o bicho e cozinhei em fogo baixo por seis horas. O caldo ia ficar melhor se eu tivesse uma cebola ou algumas cenouras, ou nem que fosse um pouco de casca de cebola e cenoura, mas a gente dá um jeito. A carne soltou dos ossos, eu tirei e piquei tudo e coloquei na geladeira pra mais tarde, depois ainda fervi os ossos por mais um tempo e coloquei só uma pitadinha de sal.

O segredo de um bom caldo, aliás, é colocar água o suficiente apenas pra cobrir os ossos, e cozinhar em fogo baixo por um tempão. Então acabou que não deu muito caldo, no fim: só uma canecona cheia.

A meninada tá sempre lá embaixo, tentando ficar fora do caminho do Dominic. A Jo e a Monika fizeram o jantar pra todo mundo noite passada (arroz e linguiça), então pude ficar cuidando dele. Mas sei que a Jo me viu subindo com a caneca de sopa.

O cheiro do quarto não é dos melhores no momento — uma mistura de suor, vômito e desinfetante com aroma de pepino do Target. Tá frio demais pra abrir as janelas, nem que seja só por um tempinho.

O Dominic não queria a sopa. Eu tava insistindo em fazer ele bebericar o Pedialyte, mas na maior parte do tempo ele só vomitava tudo de novo, então acabou desidratado. Mas peguei um banquinho e me sentei do lado da cama com uma colher, e disse que ele precisava tomar uma colherada. Ele tomou, e fiquei esperando pra ver se ia ficar ou voltar. Ela ficou.

Dois minutos depois, dei outra colherada. Essa também ficou.

É assim que você reidrata uma criancinha, aliás: uma colherada a cada dois minutos. Leva um tempão pra fazer uma pessoa tomar uma caneca inteira de alguma coisa uma colherada por vez, mas eventualmente o caldo foi pra dentro. O Clavulin também ficou.

Eu desci e montei outra armadilha no quintal.

Algo pra Enfiar o Pé na Jaca

Então, muito obrigada a todo mundo que contribuiu com a vaquinha da Melissa. Juntei todos os nomes, e quem ganhou o sorteio foi a Jessie, de Boston, Massachusetts, e ela disse que não quer que eu espere toda essa merda passar, ela quer uma receita agora. E o pedido dela foi: “Faça alguma coisa pra enfiar o pé na jaca. Qualquer coisa que você tenha que sirva pra enfiar o pé na jaca”. E como o Dominic tá suficientemente recuperado hoje, acho que a gente pode enfiar o pé na jaca e não se arrepender mortalmente depois de dez minutos, então vamos nessa.

A gente ainda não tem leite, não tem creme de leite, não tem ovo. Usei o que tinha de creme de chantili na salada ambrosia e os marshmallows nos doces de flocos de arroz (que não eram exatamente dignos de enfiar o pé na jaca, diga-se de passagem).

Mas calma lá! Vamos falar de leite de coco. Se você abrir uma lata de leite de coco sem agitar antes, vai encontrar essa meleca quase sólida presa nas laterais da lata; isso é creme de coco. Você pode gelar esse creme, depois bater, e o resultado vai ser algo parecido com chantili. A gente separou o creme de coco de três das latas e botou pra gelar.

Eu não tenho cacau em pó, porque a gente usou o que tinha há um tempinho em uma não-lá-muito-bem-sucedida tentativa de fazer chocolate quente, mas ainda tenho umas barrinhas de mini Hershey’s, então derreti as de chocolate amargo e deixei esfriar, e aí diluí com um pouquinho de leite de coco que eu tinha reservado. Não tinha tanto chocolate assim, só pra você saber — foi um verdadeiro parto impedir o pessoal de simplesmente comer o chocolate todo. Mas a gente ainda tinha um pouco.

Aí eu bati o creme de coco até ele ficar bem grosso e quase duro, depois misturei com o chocolate amargo e um pouquinho de açúcar, e acabei com uma musse de coco com chocolate.

Quando a gente fala de comida pra enfiar o pé na jaca, a apresentação conta muito. Então usamos umas xícaras de chá de porcelana bonitonas que herdei da minha bisavó: coloquei uma colherada de musse em oito delas, e depois peguei o resto dos chocolatinhos e ralei usando um ralador grande pra finalizar com umas raspinhas de chocolate. A gente também tinha uns granulados roxos brilhantes junto com as coisas de decoração de bolo, então polvilhei um pouco disso em cada xícara. E ainda abri uma das latas de mexerica em conversa, o que deu dois gomos pra cada porção de musse.

E eu amarrei um lacinho na alça de cada xícara.

Também pus a mesa com uma bela toalha e uma louça bonita, e a gente comeu a Sopa de Pedra do dia à luz de velas, e daí eu trouxe a musse e todo mundo comeu a sua e lambeu a xícara.

Alguns dias, fica difícil imaginar que essa bagunça vai terminar, ou mesmo que a gente vai conseguir voltar ao normal no fim das contas. Quando tá todo mundo enchendo o saco um do outro, parece que a gente sempre esteve preso no meio de meia dúzia de crianças briguentas e que vai ser assim pra sempre. Quando a gente tá no meio de um período de luto, é difícil imaginar que o sol vai brilhar outra vez.

Mas o Dominic sarou, e o Leo não ficou doente. Enquanto eu amarrava o lacinho nas xícaras, eu soube: isso vai passar. A gente vai sobreviver, e todo mundo vai voltar pra casa. Vou sentir saudades deles, pensei, desse bando de filho dos outros que eu enfiei aqui no meu bangalô.

“Posso guardar o lacinho?”, a Jo perguntou quando terminou a musse dela.

Eu disse pra ela que é claro que podia. E aí ela e a Monika começaram a discutir pra saber se a Jo podia ficar com o lacinho da Monika também, porque claro que elas iam discutir, e acho que esse é um belo resumo de um dia nosso.

bjinhos, Natalie

Aos meus leitores do Brasil: espero que estejam em seguros, abrigados, bem alimentados e reconfortados, na companhia (real ou virtual) de amigos e familiares. Vamos todos passar por essa.

A foto quadrada mostra uma mulher branca, de cabelos castanho claro presos em um rabo de cavalo. Ela está sorrindo, com os olhos meio semicerrados. Usa óculos de armação bem fina e lentes redondas, e está vestida com que parece uma blusa preta e um terninho preto. Tem uma correntinha fina dourada pendurada no pescoço. Ao fundo, ao longe, dá para ver uma outra pessoa, em um local fechado.

Naomi Kritzer escreve ficção científica e fantasia há vinte anos. Seu romance YA Catfishing on CatNet (baseado na história vencedora do Hugo, “Cat Pictures Please” — ambos sem publicação no Brasil) ganhou o Edgar Award de 2020 e o Minnesota Book Award na categoria de ficção YA. Além disso, é finalista do Andre Norton Award, do ITW Thriller Award e do Lodestar Award. Ela vive em Saint Paul, Minnesota, com o marido, duas crianças e quatro gatos. O número de gatos está sujeito a alterações sem aviso prévio.

Jana Bianchi é escritora, tradutora de livros, quadrinhos e jogos de tabuleiro, editora-chefe da Revista Mafagafo, cohostess do podcast Curta Ficção e passeadora de lobisomens. Entre outros, publicou a novela Lobo de Rua (2016, Dame Blanche) e contos em antologias e revistas como Trasgo, Somnium e Dragão Brasil. Pode ser encontrada no site janabianchi.com.br e no Twitter e no Instagram como @janapbianchi.

A foto quadrada mostra uma mulher branca, de cabelos morenos e cortados na altura do ombro, meio bagunçados. Ela está sorrindo levemente e tem a mão estendida na direção da câmera, com os olhos fechados. Ao fundo, que é bem desfocado, é possível ver as luzes urbanas de uma avenida.
A ilustração quadrada, desenhada no mesmo estilo da capa, mostra uma homem branco de cabelos castanhos curtos e arrepiados para cima. Ele está olhando para frente, mas com os olhos meio desviados. Ele veste uma camisa de um cor-de-rosa queimado, meio pastel, com um padrão vegetal verde, e óculos de grau com armação clássica estilo Ray Ban. O fundo é de um verde queimado, meio pastel, com um padrão vegetal rosa.

Dante Luiz é ilustrador, quadrinista e escreve nas horas vagas, além de trabalhar como diretor de arte da revista anglófona Strange Horizons. Já ilustrou capas da Trasgo, Mafagafo e a coletânea nacional Cantigas no Escuro, e seu trabalho com quadrinhos apareceu em diversas antologias gringas. Mora em uma casa que mais parece um antiquário com sua esposa e pilhas intermináveis de trabalho por fazer.

Fernanda Castro é escritora, tradutora, preparadora e revisora. Também é uma das editoras na Faísca, a newsletter de ficção relâmpago da Revista Mafagafo, e traça-chefe do blog The Bookworm Scientist. Integra o time de autores representados pela Agência Magh e também um coletivo de escritoras, o Coven de Escrita. Produz a newsletter Destinos Traçados. Mora em Recife com o marido, duas calopsitas, muitas plantas, livros e novelos de lã.

A foto quadrada mostra uma mulher branca, de cabelos morenos e encaracolados cortados na altura do ombro, meio bagunçados. Ela está sorrindo levemente e olhando para o lado direito. Usa óculos de armação escura e um pouco mais grossa e está com uma camiseta vermelha, sentada em um sofá.